Para entender a ação da cafeína no corpo humano é preciso explicar a ação de uma substância chamada adenosina. Ela é criada no cérebro e imediatamente liga-se aos seus receptores. A adenosina é responsável pela sonolência, diminuindo a atividade das células nervosas. É essa mesma ligação que causa a dilatação dos vasos sanguíneos, muito provavelmente permitindo uma maior passagem de oxigênio durante o sono.
Já a cafeína, substância química extraída de certas plantas e utilizada para o consumo de bebidas, assim que é absorvida pelo estômago, percorre toda a corrente sanguínea, chegando rapidamente ao cérebro e modificando toda a química cerebral. Como ela se parece com a adenosina, o cérebro entende que são as mesmas substâncias e ela se liga aos receptores de adenosina, mas o seu efeito é o contrário. A cafeína passa a inibir os efeitos adenosina, e ao invés de diminuir o nível da atividade das células, elas aumentam. A cafeína causa a constrição dos vasos sanguíneos no cérebro, porque bloqueia a função da adenosina de dilatá-los.
Todo esse processo causa o aumento da atividade neural. A glândula da hipófise nota essa atividade e concluí que algum tipo de emergência está ocorrendo no corpo humano. Nesse momento ela libera os hormônios que estimulam às glândulas supra-renais para que elas produzam adrenalina, hormônio que é liberado em situações de perigo, preparando o corpo, por exemplo, para correr, lutar…
Com a adrenalina na corrente sanguínea as pupilas dilatam, os brônquios se expandem, o coração passa a bater mais rapidamente, os vasos sanguíneos se contraem, a pressão sanguínea aumenta. O fluxo sanguíneo no estômago diminuí, os músculos se tencionam e ficam prontos para ação. O fígado libera açúcar na corrente sanguínea, e o tecido adiposo libera os ácidos graxos no sangue (lipólise).
Cafeína e a performance dos corredores
Existem diversos estudos comprovando a ação da cafeína na melhora da performance dos corredores. Ela é considerada uma substância ergogênica, ou seja, que aumenta o desempenho desportivo.
O primeiro estudo sobre a sua ação na performance dos praticantes de atividade física foi realizado pelos doutores Costill Dl, Dalsky GP e Fink WJ. Eles avaliaram os efeitos da ingestão de cafeína sobre o metabolismo e o desempenho durante um exercício prolongado.
Nesse estudo foram selecionados nove ciclistas participantes de competições (duas mulheres e sete homens) que se exercitaram até a exaustão em uma bicicleta ergométrica a 80% do VO2 máx.
Na primeira experiência os pesquisados ingeriram café descafeínado. Na segunda o café contendo 330 mg de cafeína, 60 minutos antes do exercício. Quando ingeriram cafeína os atletas tiveram um aumento 19,5% no tempo de endurance.
Já um estudo de 1998 revelou que a capacidade da cafeína de melhorar a performance de um corredor é mais significativa quando ela é consumida em cápsulas.
Os pesquisados que ingeriram 4.45 mg/kg de cafeína em cápsula apresentou um aumento de 7.5 a 10 min no tempo total de endurance. Estes resultados demonstraram que a cafeína quando ingerida em cápsulas tem um maior potencial ergogênico nos exercícios de endurance. O estudo sugeriu que outras substâncias contidas no café podem exercer algum tipo de efeito inibitório nos efeitos fisiológicos causados pela cafeína.
Os efeitos da cafeína são sentidos tanto pelos atletas de provas mais curtas, como de 5k, ou mais longas, como maratonas.
A cafeína atrasa a fadiga, diminuindo a percepção do esforço, devido ao aumento da concentração de endorfina no corpo, além disso ela é classificada como uma xantina natural e age inibindo a ação de uma enzima chamada fosfodiesterase, envolvida no processo doloroso. Na prática essa maior concentração de endorfina e a inibição dessa fosfodiesterase produzem um efeito de maior resistência a dor, exigindo um estímulo maior para que o atleta a sinta.
No caso dos corredores de mais de 10k, há o benefício dela aumentar os níveis de ácidos graxos livres no sangue, utilizando-o como fonte de energia para executar os exercícios, poupando o glicogênio muscular.
Entre os benefícios para o corredor estão: diminuição da percepção da dor e do esforço, retardo da fadiga, algumas pesquisas relatam que ela melhora o ânimo do atleta, diminuindo a “sensação de preguiça”.
Mas é importante ressaltar que o consumo excessivo e de forma desregulada da cafeína, pode aumentar os níveis de cortisol que estão associados em diversos estudos ao aumento da obesidade. O ideal é o atleta buscar o aconselhamento de um nutricionista esportivo para definir a quantidade de períodos de ingestão da cafeína para se beneficiar de seus efeitos, minimizando os pontos negativos.
Além disso não aconselho a enxergarmos a cafeína como um alimento milagroso. O treino adequado, a alimentação e a suplementação ajustados a sua rotina, trarão muito mais resultados em termos de boa forma física e saúde, do que apenas a inclusão de grandes quantidades de cafeína em sua dieta. Na verdade quantidades excessivas sem um objetivo focado na rotina de treino podem fazer mais mal do que bem para qualquer indivíduo.
Prof. Dr. Ricardo Zanuto é Nutricionista Esportivo, Doutor e mestre em Fisiologia Humana e Biofísica pelo ICB-USP; Graduado em Nutrição clínica, esportiva e em Educação Física com especialização em Fisiologia do Exercício, natação e atividades aquáticas.